Chimarrão: história e mistério

O ritual da partilha é uma manifestação universal do ser humano, presente em diversas ocasiões e culturas. Seja ao dividir uma refeição ou ao ouvir o desabafo de um amigo, o ato de partilhar, firma um sentimento de comunhão e pertencimento entre as partes, como gesto próprio do afeto desinteressado. 

Para muitos sulistas, o chimarrão é essencialmente isso: um ritual de partilha. Sentar na frente de casa, ao fim de um dia cansativo de trabalho, reunindo a família à volta de uma cuia de chimarrão e de uma boa conversa – são quiçá poucos os que, no Sul, não guardam boas lembranças dessas ocasiões na memória. Se pensarmos que o chimarrão é apreciado não somente nos estados sulistas, mas também em outras regiões do país, como a Sudeste, a Centro-Oeste e até mesmo a Norte, podemos afirmar que esta é uma das bebidas mais democráticas e emblemáticas do nosso país.   

Não espanta que, com toda essa popularidade, o mate amargo esteja envolvo em uma miríade de lendas populares que foram passadas de geração em geração. Você sabia que na capital do estado de Rondônia, Porto Velho, há um bairro chamado Caiari”, nome que tem tudo a ver com a lenda da erva-mate? O post de hoje é precisamente dedicado a uma das mais curiosas histórias à volta do chimarrão. Continue a leitura e saiba mais em seguida! 

 

A lenda da ervamate   

Como surgiu a ervamate?   

Há muitos e muitos anos, uma tribo guarani procurava um novo lugar para assentar – um lugar onde a caça fosse farta e a terra, fértil.  Aos poucos, eles foram migrando, sem reparar que um dos anciães da tribo dormia tapado por couros em uma cabana. Quando esse velho acordou, ele se viu só, sem ninguém para cuidar dele. O velho então se levanta e põe-se a caminhar. Então, dá de caras com uma bela e jovem índia. Era Yari, sua filha mais nova, que não teve coragem de abandonar seu pai. Ficaram, então, os dois morando ali, pois o velho era de compleição demasiado frágil para uma viagem longa. 

Numa tarde de inverno, o velho, entretido no mato colhendo algumas frutas, assustou-se ao ver a folhagem próxima em movimento. Pensou que se tratava de uma onça, mas eis que surge um homem branco muito forte, vestido com roupas coloridas. 

O homem então se aproximou e disse: 

Venho de muito longe e há dias ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia, por favor, arranjar-me uma rede e algo para comer? 

Sem hesitar, o velho índio aquiesceu, mesmo tendo comida escassa para ele e para a filha.  

Quando chegaram à cabana, o visitante foi apresentado a Yari. Ela, então, acendeu o fogo e preparou algo para o homem comer. Depois de jantarem, foram todos dormir. 

Ao amanhecer, viram que o homem branco havia caçado em agradecimento por toda a hospitalidade. 

Vocês merecem muito mais!, afirmou o homem. Tupã está preocupado com a saúde de vocês e por isto me enviou. Em gratidão por tanta bondade, eu vos concedo um presente. 

O estranho mostrou ao velho uma erva e explicou: 

Esta é a erva-mate. Plante-a e deixe que ela cresça, faça-a multiplicar-se. Você deve arrancar-lhe as folhas, fervê-las e tomar como chá. Suas forças se renovarão e você poderá voltar a caçar e fazer o que quiser.   

Em seguida, dirigindo-se a Yari, disse: 

Por ser tão boa filha, a partir deste momento você passará a ser conhecida como Caá-Yari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam a fim de serem fortes e felizes. 

Muitos anos se passaram, até que, em uma tribo próxima dali, após uma celebração regada a bebida alcoólica, dois jovens índios a começaram a discutir e a brigar. Eram Piraúna e Jaguaretê. No furor da briga, Jaguaretê empunha um tacape e mata Piraúna, ao que é então detido e amarrado ao poste das torturas. Pelas leis da tribo, os parentes do morto poderiam executar o assassino. Trouxeram imediatamente o pai de Piraúna para que ordenasse a execução. Contudo, o velho, em um ato de clemência, resolve poupar Jaguaretê, apenas expulsando-o da tribo e jogando-os nos braços de Anhangá, o espírito mau da mata.  

Passadas muitas décadas, alguns índios daquela mesma tribo aventuravam-se na mata fechada em busca de caça. Eis que encontram uma cabana e, aproximando-se com cuidado, encontram um homem muito forte e sorridente. Muito embora seus cabelos estivessem totalmente brancos, sua fisionomia era de um jovem. O homem ofereceu-lhes, então, uma bebida desconhecida e identificou-se então como sendo Jaguaretê. Era o membro expulso da tribo e a bebida era o mate.   

O homem contou que, quando fora abandonado à sua sorte na mata, muito vagou; exausto e cheio de remorso, a certa altura jogou-se ao chão e pediu para morrer. Acordou apenas com a visão de uma índia de rara beleza que, se apiedando dele, lhe disse: 

Meu nome é Caá-Yari e sou a deusa das ervas. Tenho pena de você, pois está fraco e debilitado. Eis aqui está bebida, que o deixará forte e ajudará na sua recuperação.  

Ele levantou-se e foi levado até uma estranha planta. 

Esta é a erva-mate, disse Yari. Cultive-a e a faça multiplicar. Depois prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo permanecerá forte e sua mente clara por muitos anos. Não deixe de transmitir a quem encontrar o que aprendeu sobre mate. 

Jaguaretê ofereceu a erva aos seus outrora companheiros de tribos.  Esses índios voltaram e contaram aos outros o que haviam ouvido. Toda a tribo adotou o costume de beber da verde erva, amarga e gostosa, que dava força e possibilitava o convívio amigo, transformando mesmo as horas mais tristonhas e solitárias. O mate foi plantado e multiplicou-se; a tradição foi se espalhando e o uso chegou até nós. 

 

O nome do bairro portovelhense que citamos no início, Caiari, resulta do aportuguesamento de Caá-Yaríi”, a deusa da erva mate.  Conhecer lendas como esta que acabamos de apresentar é tomar conhecimento de parte da nossa cultura e da nossa história, como forma de um testemunho vivo do encanto que o chimarrão causa em todo um povo.  

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Equipe Mateando 

Foto exclusiva de Fagner Almeida